segunda-feira, 11 de abril de 2011

Conselheiros do TCE aliviam para
aprovar contas de Aécio

O que os técnicos do TCE apontaram como irregularidade passou no julgamento dos conselheiros da corte


         
Reza a lei que a fiscalização rigorosa das contas do Governo estadual é a atribuição maior do Tribunal de Contas do Estado (TCE). No entanto, o trabalho feito pelo corpo técnico do órgão esbarra constantemente na indulgência dos conselheiros, responsáveis por dar a palavra final sobre os números fiscalizados. É o caso do julgamento das contas de 2009 do ex- governador Aécio Neves (PSDB).

Relatório técnico assinado por 10 profissionais do TCE, que deveria servir de base para a apreciação das contas do governador pelos conselheiros e pela Assembleia Legislativa de Minas Gerais, revela que parte considerável dos R$ 6,1 bilhões gastos com Educação e R$ 3,7 bilhões despendidos com Saúde, em 2009, não foram efetivamente investidos em ações para estes setores. No entanto, os conselheiros amenizaram as irregularidades e aprovaram as contas.

Não é muito difícil encontrar a razão para a divergência. Enquanto os auditores responsáveis pelo exame técnico da contas são admitidos em disputados concursos públicos, os conselheiros, geralmente ex-parlamentares, são conduzidos ao cargo vitalício por escolha política do governador ou da Assembleia. Além disso, o TCE precisa de apoio do Legislativo e do Executivo para aprovar as dotações orçamentárias da corte de contas.

O documento dos auditores do TCE refere-se ao último ano da gestão do hoje senador Aécio Neves como governador. Tem 576 páginas e é o último elaborado sobre a prestação das contas da administração estadual. O relatório se baseou em documentos encaminhados pelo próprio governo e em informações colhidas nos sistemas Integrado de Administração Financeira (Siafi) e de Informações Gerenciais e de Planejamento (Sigplan) – este da administração estadual.

Depois de se debruçarem sobre as contas das áreas de Saúde e Educação, os profissionais chegaram à conclusão de que o Estado não cumpriu o piso legal de investimentos estabelecido na Constituição Federal.

O maior problema é na Educação, em que a Constituição prevê a destinação mínima de 25% da receita estadual. Em Minas, foi constatado um malabarismo na contabilidade que possibilitou à gestão tucana chegar ao índice de investimento de 28,1% da receita na área. Mas, se forem mensurados os valores reais despendidos com ações práticas no setor, o índice cai para 20,21%, abaixo do piso constitucional. “Mister ressaltar que, expurgando-se os valores mencionados (considerados irregulares), o Estado se torna inadimplente com a área da Educação, despendendo 20,15% dos seus recursos nessa área, abaixo, portanto, do mínimo constitucional determinado para os Estados”, destacam auditores do Tribunal de Contas.

Em Minas, lei foi 'ajustada'

No caso dos investimentos do Estado em Educação, a maquiagem das despesas se deu de duas formas: incluindo gastos com aposentados e pensionistas nas ações da área e contabilizando os já incluídos em outros setores.

O primeiro exemplo é o de valor mais expressivo. O Estado declarou, em 2009, que gastou R$ 1,7 bilhão com as despesas relativas a benefícios previdenciários de inativos da Secretaria de Estado da Educação, da Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG), da Universidade Estadual de Montes Claros e da Fundação Helena Antipoff.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, não pode ser computado esse tipo de gasto como despesas em Educação, para o fim de atingir o mínimo constitucional de investimentos. O artigo 71 da referida lei, utilizado como um dos argumentos dos técnicos do TCE, diz que não podem entrar na contabilidade as despesas com “pessoal docente e demais trabalhadores da Educação, quando em desvio de função ou em atividade alheia à manutenção e desenvolvimento do ensino”.  Para dar suporte à legislação, a Secretaria do Tesouro Nacional emitiu uma circular com a mesma determinação. Além disso, as normas do Fundo Nacional da Educação Básica (Fundeb) proíbem a prática.

“Para fins do limite constitucional com MDE (educação), a componente ‘remuneração’ deve se restringir às despesas correspondentes ao pagamento do pessoal efetivo, que se encontra exercendo cargo, emprego ou função na atividade do ensino, excluindo-se, portanto, as despesas com inativos e pensionistas”, ressalta o documento dos auditores do TCE.

Em Minas, as coisas são diferentes. O entendimento da legislação pode ser local ou nacional, dependendo das circunstâncias. Os conselheiros do TCE, que já haviam se pronunciado pelo cumprimento das leis federais, resolveram dar uma “colher de chá” para as contas do ex-governador Aécio Neves.

Em 26 de abril de 2006, o colegiado do TCE decidiu que as regras atuais não valeriam mais para o tucano. “Há um documento, emitido pelo Gabinete da Presidência deste Tribunal, em 26/04/06, assinado por todos os conselheiros, então em exercício, endereçado às diretorias desta Casa, aceitando o cômputo de tais valores nos gastos com MDE (educação), até que os fundos previdenciários dos entes (Estados e municípios) sejam capitalizados”, admitem os técnicos do TCE, no relatório sobre as contas de Aécio.

Governo dá sua versão

Os gastos de pensionistas e inativos somam-se a um verdadeiro malabarismo na contabilidade estadual para justificar o investimento mínimo exigido de 25% da receita em Educação. Técnicos do TCE verificaram que uma mesma despesa foi computada em duplicidade como gasto em Saúde e Educação para que fosse alcançado o limite legal.

Assessores do senador Aécio Neves (PSDB), então governador em 2009, informaram que o Governo iria responder aos questionamentos da reportagem sobre seu último ano à frente do Executivo.

O Governo de Minas, por meio da assessoria de Imprensa, rebateu as informações dos técnicos do TCE. A principal argumentação foi a de que as contas de Aécio foram aprovadas pelos conselheiros da Casa. Sobre os gastos com aposentados e inativos da Educação, a argumentação é a de que os conselheiros têm o entendimento de que as despesas podem ser computadas nos gastos da área.

Quanto aos gastos duplicados, no mesmo setor, a informação é a de que o Estado segue manual de despesas que orienta a União. Também alega que “este item da prestação de contas não mereceu este ou qualquer outro apontamento do conselherio relator do TCE na abertura de vista ao então governador por considerar que não houve qualquer irregularidade por parte do Estado”.

Na área da Saúde, a assessoria diz que “a Constituição Federal define saneamento como ação de saúde pública” e que “o mesmo entendimento tem o Governo federal, que, na sua prestação de contas, também inclui saneamento básico como investimento em saúde”. Sobre gastos com aposentados e inativos computados como investimentos em Saúde, a justificativa é a de que os recursos fazem parte das despesas elegíveis pelo Estado dentro da política estadual da Saúde e não comprometem o cumprimento do índice constitucional”. “Quanto às despesas da PMMG, Ipsemg e IPSM, consideradas para fins do cômputo do índice de Saúde, estas são consideradas pelo Estado, tendo em vista que se o serviço não fosse prestado por aqueles institutos, os beneficiários migrariam para o Sistema Único de Saúde”.

Procurado, o TCE não se manifestou. Por três dias, a assessoria de Imprensa disse que encaminharia uma resposta aos questionamentos, o que não aconteceu até o fechamento desta edição.



 
Fonte: Hoje em Dia

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